A Busca por Soluções Eficazes no Direito de Família
O Direito de Família, por sua natureza intrinsecamente ligada às relações humanas mais íntimas e complexas, demanda do ordenamento jurídico soluções que transcendam a mera aplicação da lei, buscando mecanismos que promovam a pacificação social e preservem, na medida do possível, os vínculos afetivos, mesmo diante da dissolução do casamento. A ruptura do laço matrimonial representa um momento de grande delicadeza e vulnerabilidade, exigindo abordagens que minimizem os desgastes emocionais e financeiros. Nesse contexto, o divórcio consensual desponta como um instituto jurídico de fundamental importância, consolidando-se como uma alternativa mais célere, econômica e harmoniosa em comparação ao tradicional modelo litigioso. Este artigo propõe-se a analisar a figura do divórcio consensual no ordenamento jurídico brasileiro, explorando seus fundamentos legais e jurisprudenciais, sua evolução histórica e, principalmente, sua inegável praticidade e relevância para as partes envolvidas e para o próprio sistema de justiça. Ao valorizar a autonomia da vontade e oferecer procedimentos simplificados, o divórcio consensual não apenas facilita a resolução de conflitos, mas também contribui para uma cultura de diálogo e respeito mútuo no âmbito familiar.
Evolução Histórica e Fundamentos Legais do Divórcio Consensual
A compreensão do divórcio consensual no Brasil perpassa necessariamente sua evolução histórica e a consolidação de seus fundamentos legais. Inicialmente, o ordenamento jurídico brasileiro, sob forte influência de preceitos religiosos, tratava o casamento como um vínculo indissolúvel. A introdução do divórcio ocorreu tardiamente, com a Emenda Constitucional nº 9 de 1977, ainda assim cercada de
restrições, como a exigência de prévia separação judicial.
A transformação mais significativa adveio com a Emenda Constitucional nº 66 de 2010, que promoveu uma alteração substancial no § 6º do artigo 226 da Constituição Federal. Ao suprimir a necessidade de comprovação de separação judicial por mais de um ano ou de separação de fato por mais de dois anos, a EC 66/2010 consagrou o divórcio como um direito potestativo. Isso significa que a dissolução do casamento passou a depender unicamente da manifestação de vontade de um ou ambos os cônjuges,
independentemente de causa específica ou lapso temporal de separação. Essa mudança representou um alinhamento do direito brasileiro com os princípios da autonomia privada e da liberdade individual, simplificando drasticamente o procedimento. No plano infraconstitucional, o divórcio consensual encontra respaldo em diversos diplomas. O Código Civil (Lei nº 10.406/2002), em seu artigo 1.571, IV, estabelece o divórcio como causa de término da sociedade conjugal. O Código de Processo Civil (Lei
nº 13.105/2015), por sua vez, disciplina o procedimento judicial nos artigos 731 a 734, tratando da homologação do acordo consensual. Importante notar que o Novo CPC, diferentemente do código anterior, não prevê expressamente a obrigatoriedade da audiência de ratificação, o que, como aponta Frazão (2019), suscitou debates sobre sua dispensabilidade, prevalecendo o entendimento de que ela não é mais necessária como regra geral. Um marco fundamental na desburocratização foi a Lei nº 11.441/2007, que instituiu a possibilidade de realização do divórcio consensual por via administrativa, mediante escritura pública lavrada em Tabelionato de Notas. Essa inovação, aplicável aos casais sem filhos menores ou incapazes e em pleno acordo sobre os termos da dissolução, representou um avanço notável na desjudicialização e na celeridade dos procedimentos consensuais. A jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem acompanhado essa evolução, reafirmando o caráter potestativo do direito ao divórcio e a soberania da vontade das partes nos acordos consensuais (vide Resp 1.483.841/MG). A tendência é simplificar a análise judicial nos casos consensuais, focando na legalidade do acordo e na proteção de eventuais vulneráveis, como filhos menores.
Modalidades do Divórcio Consensual: Judicial e Extrajudicial
O ordenamento jurídico brasileiro oferece, atualmente, duas vias principais para a concretização do divórcio consensual, cada qual com suas especificidades:
- Via Judicial: Esta via é obrigatória quando o casal possui filhos menores de idade ou incapazes, pois nesses casos é indispensável a intervenção do Ministério Público para zelar pelos interesses dos vulneráveis. Mesmo casais sem filhos menores podem optar pela via judicial se assim desejarem. O procedimento tramita sob as regras da jurisdição voluntária, onde não há propriamente um litígio, mas sim a busca pela homologação judicial de um acordo previamente estabelecido pelas partes. O juiz analisará os termos do acordo, ouvirá os cônjuges (embora a audiência de ratificação não seja mais regra) e, estando tudo em conformidade com a lei e resguardados os interesses dos filhos, homologará o divórcio por sentença.
- Via Extrajudicial (Administrativa): Implementada pela Lei nº 11.441/2007, esta modalidade permite que o divórcio consensual seja formalizado diretamente em um Tabelionato de Notas, por meio de escritura pública. Para tanto, é imprescindível o preenchimento de três requisitos cumulativos: (a) consenso absoluto entre os cônjuges sobre todos os termos do divórcio, incluindo a partilha de bens (se houver); (b) inexistência de filhos menores ou incapazes do casal; e (c) assistência obrigatória por advogado(s), que pode ser comum a ambas as partes. A escritura pública resultante tem a mesma força e validade de uma sentença judicial, servindo como título hábil para registros (imobiliário, civil) e para o exercício de direitos (como saque de FGTS ou alteração de estado civil).
A existência dessas duas vias amplia o acesso à justiça e à formalização do divórcio, permitindo que os casais escolham o procedimento que melhor se adapta à sua realidade, sempre com a segurança jurídica conferida pela intervenção judicial ou pela fé pública do tabelião, e com a orientação técnica do advogado.
A Praticidade e os Benefícios Inerentes ao Consenso
A opção pelo divórcio consensual traz consigo uma série de vantagens práticas e benefícios que o distinguem fundamentalmente do divórcio litigioso. A pedra angular dessa modalidade é o acordo de vontades, que simplifica e agiliza todo o processo. A celeridade é, talvez, o benefício mais evidente. A ausência de disputa sobre os termos da dissolução elimina etapas processuais morosas, como a produção de provas complexas, longas audiências de instrução e a interposição de recursos protelatórios. A EC 66/2010 já havia acelerado o processo ao extinguir a necessidade de separação prévia. No âmbito judicial consensual, a homologação de um acordo claro e legal tende a ser rápida, especialmente com a consolidação do entendimento pela desnecessidade da audiência de ratificação. Na via extrajudicial, a praticidade atinge seu ápice, com a possibilidade de conclusão do divórcio em questão de dias. Outro benefício significativo é a redução de custos. O litígio invariavelmente encarece o processo, seja pelas custas judiciais mais elevadas, seja pela necessidade de contratação de peritos, avaliadores ou pela maior complexidade do trabalho advocatício. No divórcio consensual, os honorários advocatícios podem ser reduzidos, e na via extrajudicial, um único advogado pode assistir ambas as partes. As custas cartorárias ou judiciais também são, em regra, inferiores às de um processo contencioso.
Além dos aspectos procedimentais e financeiros, a importância do divórcio consensual se revela profundamente no bem-estar das partes e da família. O litígio familiar é fonte reconhecida de profundo desgaste emocional, gerando angústia, ressentimento e conflitos que podem se perpetuar por anos, com reflexos negativos sobre a saúde mental dos cônjuges e, principalmente, dos filhos. O consenso, por outro lado, fomenta o diálogo e o respeito, permitindo uma separação menos traumática. A preservação da relação parental, essencial para o desenvolvimento saudável dos filhos, é facilitada quando os pais conseguem resolver suas questões de forma amigável. O divórcio consensual também representa a valorização da autonomia privada. As partes são protagonistas na definição das regras que nortearão suas vidas após o casamento, exercendo sua liberdade e responsabilidade. Essa autodeterminação não
apenas confere legitimidade ao acordo, mas também aumenta a probabilidade de seu cumprimento espontâneo. Acordos construídos conjuntamente tendem a ser mais respeitados, diminuindo a necessidade de futuras ações de execução. Finalmente, o divórcio consensual desempenha um papel crucial no desafogamento do Poder Judiciário. A crescente demanda por serviços judiciais torna imperativa a busca por mecanismos de desjudicialização e simplificação. A Lei nº 11.441/2007, ao permitir a via extrajudicial, e a própria simplificação do rito judicial consensual, liberam a estrutura judiciária para se concentrar nos casos onde o litígio é inevitável. Isso otimiza recursos públicos e contribui para a razoável duração de todos os processos.
O Divórcio Consensual como Ferramenta de Pacificação
O divórcio consensual, fortalecido pela evolução legislativa e jurisprudencial brasileira, transcende a mera formalidade jurídica para se consolidar como um importante instrumento de pacificação social no âmbito do Direito de Família. Sua praticidade, manifestada na celeridade dos procedimentos (judicial e extrajudicial) e na redução de custos, aliada aos benefícios emocionais e à valorização da autonomia das partes, confere-lhe um papel de destaque na resolução dos conflitos conjugais. Ao oferecer uma alternativa menos desgastante e mais eficiente que o litígio, o divórcio consensual não apenas atende aos interesses individuais dos envolvidos, preservando o respeito mútuo e o bem-estar dos filhos, mas também contribui para a otimização do sistema de justiça, desafogando o Poder Judiciário e promovendo uma cultura de diálogo e resolução amigável de controvérsias. Sua importância, portanto, reside não apenas na simplificação do ato de dissolução do casamento, mas na sua capacidade de transformar um momento potencialmente conflituoso em um exercício de responsabilidade, autonomia e busca pela paz familiar.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html Acesso em: 30 mai.
2025.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Dá nova redação ao §
6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento
civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1
(um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc66.html Acesso
em: 30 mai. 2025.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.html Acesso em: 30
mai. 2025.
BRASIL. Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei nº 5.869, de 11
de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário,
partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.html Acesso
em: 30 mai. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.html. Acesso
em: 30 mai. 2025.
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